segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Meu outono chegou




Eu e Antonia somos as mais perfeitas cafeteiras, não fazemos um bom café nem somos possuidoras da melhor cafeteria italiana. Nós bebemos muito café, isso sempre em charmosas cafeterias. É dessa maneira que encontramos pessoas charmosas e de bem gosto. Parceiras de idade e estado civil anotem isso.
- Boa tarde amiga. Tudo bem!
-Sim, Antonia. Estou ótima. Vamos sentar e pedir um café?
- Por favor! Elisa o nosso café de sempre!
São 14 horas de um outonal, com temperatura não passando dos 18 graus. No caminho até o café era perceptível a chegada da nova estação, as folhas amareladas já cobriam o chão.
Comento com Antonia sobre a estação, nunca sobre o tempo, pois assuntos não nos faltam.
- Os dias estão como gosto, um friozinho lembrando que o inverno está próximo.
- Sim, lembre-se de sua promessa pessoal, este não será um inverno solitário.
- Não esqueci. Mas não saio à procura. Isso virá e logo.
As conversas fluem. Planos, idéias e sentimentos pessoais são discutidos.
Sinto um aroma diferenciado no ar. Olho ao redor e vejo uma camisa amarela vestindo uma interessante figura outonal. 
Antonia que não possui visão periférica chama Elisa para mais um café. E ao virar-se, espanta-se:
- Augusto! Há quanto tempo? Por onde andas?
Ele se aproxima e mesmo de pé conta a sua história. Indescritível é o seu perfume.
- Divorcie-me, mudei de cidade e de empresa. Tenho muitas novidades para você.
Antonia em sua comum simpatia o convida a sentar-se para um café.
Passo a expectadora, não faço parte da amizade. Curto o cheiro do café, do perfume e da visão outonal agora sob forma humana e sentada na cadeira ao lado.
Planos, pensamentos e a atitudes passam a ser discutidos a dois.
Ouço tudo e faço um questionamento com o lado esquerdo do cérebro: existem mesmo moléculas específicas que permitem a comunicação química entre indivíduos, o tal feromônio?
“... mulher é para ser companheira e não empregada doméstica.” É o final da frase de Augusto.
Peço licença a dupla e pergunto ao amigo de Antonia.
- Quer namorar comigo?
Ele muda rapidamente de assunto e eu me calo. Não fui cortada apenas desviada. Como é preciso muito mais que falta de atenção para me chatear. Trocamos um sorriso e o rumo da conversa.
Amenidades, lembranças e identificações passam a fazer parte da conversa agora a três.
- Eliza! Por favor, mais três cafés.
Hora da despedida chega. Eu tenho 200 km para voltar. Antonia e Augusto saem juntos.
Já em casa, meu telefone toca. Antonia pergunta se fiz boa viagem. Afirmo que foi tranquila.
- O que você fez com meu amigo? Não consegui manter diálogo comercial, só queria saber de você. Contei o que com certeza você permitiria. Mas ele levou o Portal Veneza para ler.
- Sem problemas. Pouco tenho a esconder e o que tenho nem você sabe.
E a vida seguiu por uma semana e o telefone tocou.
- Boa noite. Como está a escritora e cronista do Portal Veneza?
- Vou bem. Quem fala, por favor?
- É Augusto, seu leitor e grande tomador de café. Agora pronto para responder a sua pergunta.
- Qual pergunta?
- Se esqueceu, eu pergunto. Quer namorar comigo?
Silencio para pensar. A química fala por si e por mim.
- Tudo bem! Me responda hoje à noite em nosso jantar. É Augusto quebrando o meu silêncio.
Finda a ligação. Começa o meu compromisso. E era para ser só um café outonal. 

domingo, 18 de setembro de 2011

Jack o sedutor



Volto ao jardim que tanta paz me traz
A primavera explode em cascatas de hera.
Já havia me esquecido o perfume das orquídeas.
Sinto-me no paraíso.
Tenho de desfrutar com alguém.
Cadê a grande invenção do homem.
Aqui... 999.......
Do outro lado uma voz de sono.
Alô.
Acordei você?
Sim...que bom te ouvir.
Meu paraíso virou céu.
Estou com teu gosto ainda em minha boca.
Não tenho resposta.
Ele insiste...quero te ver.
Bem...estava pensando em você...aqui...e descrevo o local.
Mas, posso ir até aí.
Venha não demore. O mar está louco para nos ver.
Desligo, caminho, tomo água, como maracujá, demoro...
Sigo com Ivan Lins:
Sempre exuberante, quente, tem sal...”
Chego. Os sorrisos não escondem ambas alegrias.
O mar nos espera.
O cheiro marinho provoca...as ondas estão em total rebeldia.
Será um espelho para nós dois?
Sou calada em meio a uma frase.
Horas, minutos ou segundos depois.
Você me confunde, não te descubro e te quero.
Os olhares não se encontram, fitam as bocas.
A respiração muda e o silêncio impera.
Guerra de pensamentos...eu com os meus e ele com os dele.
Não há recuo, só silêncio.
A respiração torna-se única.
Braços viram abraços.
Suas mãos contornam meu corpo.
Meu corpo anseia pelas suas mãos.
Não consigo dominá-lo, cadê a indomável fera?
A noite cai e a blusas se abrem.
A sedução paira no ar.
Seu olhar me provoca e sem pudor me exibo.
As frases são ditas a dois centímetros.
Mil vezes me fez dizer que o desejava.
Duas mil vezes o desejei.
Afasta-me dele para me ver melhor.
Te quero, mas não hoje...quero desfrutar dessa tua provocação.
...provocação... penso...você ainda não viu nada.
Encaro-o,  explodindo em desejos ao olhar os contido em sua boca.
Seu meio sorriso, meio olhar não me fazem ganhar a guerra.
Nem penso em recuperar a razão. Não há razão.
Seu autocontrole me domina, me anima, me tira da rotina.
Seu jeito Jack, por partes, me alucina.
Viro presa fácil...
Mas Jack não quer cometer seu crime, não hoje.





De gatos eu sei




Acordo com o miar na porta do quarto.
Abro a porta.
Entra em passo manso e elegante, reclamando da porta fechada. Acomoda-se no seu entre os meus lençóis brancos e começa a ronronar como se estivesse no próprio paraíso.
O sono me vence. Ainda é cedo. Fecho os olhos.
Sinto um leve toque no queixo. Um sinal de "hora de acordar". Ao abrir os olhos, vejo outros, lindos e azuis a me encarar. Que olhar! Derreto-me.
O olhar insiste e o ronronar é continuo.
Hora de levantar.

Espreguiçamo-nos, deixamos o ninho rumo à cozinha. É hora da fome. Dele, é claro! E não vai largar do meu pé até receber uma comida de bom sabor em prato de porcelana.
Vou para meu estúdio, ele corre a instalar-se em cima do teclado, bem na minha cara. No melhor estilo face-to-face.
Bem é hora de trabalhar... Afinal, quem paga o atum da casa?
Fim do dia... Retorno.
Há sinais de quem dormiu uma tarde inteira sobre a cadeira, uma preciosa relíquia da década de 40 forrada em veludo alemão. Confesso que muito tive que poupar para conseguir adquiri-la.
Nem consigo andar pela casa, o bichano se esfrega, enrosca em minhas pernas e todo dengoso pede colo. Há também os dias em que se estira no chão com a barriga para cima, num ato mais ou menos "quero atenção, você sai o dia inteiro e eu fico aqui sozinho ".
Minhas mãos se ocupam em seu corpo peludo por um bom tempo.
Depois da ação devidamente desfrutada, ele me dá às costas e sai a perambular pela casa.
Viro vassala a aspirar alguns pêlos.
Puxo o tapete.
O que encontro?
- Uma doida varrida para baixo dele?
Não.

Mosquitos e outros espécimes que foram caçados e ali depositados para não sujar o ambiente. Gatos odeiam sujeira.
Vou ouvir música. Canto gregoriano nem pensar! Ele corre pela casa parecendo uma fera.
Ele tem lá seu gosto, prefere o blues à música clássica e também o atum à sardinha.
Curioso por natureza, enfia-se em tudo quanto é armário.
Ler a seu lado nem pensar. Ele não hesita em sentar sobre o jornal ou livro com a maior naturalidade se mistura às manchetes e personagens.
Seleciona e faz charme na hora de comer.
Não troca um banheiro limpinho por nada deste mundo. E seu esporte preferido é lagartear numa mancha de sol sobre uma superfície macia do mais nobre tecido da casa.
Decifrá-lo é minha tarefa diária: preguiçoso, amoroso, miador, ciumento, sensível e personalíssimo. Assim é meu felino.
Nos momentos felizes, soma ainda mais alegria à minha vida. Nos momentos de tristeza, por vezes é meu único companheiro.
Se entristeço, ele logo pressente meu desassossego e vem sentar-se no meu colo, acaricia-me , ronronando e roçando o focinho. Num agradável, áspero e gelado beijo esquimó.
É..."Se o cruzamento do homem e do gato fosse possível, aprimoraria o homem mas deterioraria o gato", disse Mark Twain.
Eu? Nada a declarar.